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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Não é mais preciso pensar

O que sempre diferenciou Star Trek de Star Wars? É preciso esquentar muito os miolos para entender os episódios do primeiro, que obedece as leis da física ou antecipa possibilidades científicas reais. No segundo, diversão fácil, correria, agitação, robozinhos, crianças, bichinhos e pouco ou nenhum embasamento científico (fogo no espaço onde não há oxigênio, explosões no vácuo, feixes de luz finitos, manobras rápidas no espaço onde não há atrito etc).

Pois nesse novo filme de Star Trek que chega às telonas, "Além da Escuridão" deu empate. Faltam apenas robozinhos e crianças. Scott tem um amiguinho na engenharia que é um Ewok estilizado e o Spock original (Nimoy) virou o Yoda. Está havendo uma fusão entre os dois temas. Ou confusão.


O diretor J.J. Abrahams há muito tempo havia dito que nunca gostou de Star Trek e sempre foi fã de Star Wars desde criancinha. Certamente essas eram as credenciais que os executivos da Paramount estavam procurando. Alguém detestar Star Trek é ideal como diretor de um filme ou dois da franquia. O filme ficou ótimo. Deu tão certo, ele mostrou que é tão bom diretor, que J.J. já está contratado pela Disney para dirigir um novo filme de Star Wars.

No filme anterior, de 2009, apenas "Star Trek", J.J. foi engenhoso e usou o estratagema de uma "nova linha temporal" para contar uma outra história, do jeito que quisesse, sem ofender os livros canônicos de Denise e Michael Okuda. Achei bom. A destruição de Vulcano causou comoção geral, Winona Ryder como a mãe do Spock foi a cereja do sundae, Eric Bana como vilão foi fraquinho para justificar um filme inteiro em função dele, o novo Spock, mesmo o ator sendo gay assumido, levantou a platéia nos amassos com a gostosa da Uhura. Em um universo paralelo, tudo é permitido. Achei interessante e fiquei com uma impressão positiva. Crédito para o J.J. Mexeu com minha cabeça, fundamental em Star Trek. 

O maior pecado daquele filme, o que realmente me incomodou, que não dá para admitir mesmo em uma outra linha temporal é Kirk passar de moto e observar a construção da Enterprise ali em um terreno, como se fosse o Itaquerão. Não dá. A Enterprise tem que ser construída em um estaleiro no espaço. O J.J. parece não ter ideia do tamanho da nave. Seria ilógico gastar qualquer combustível que seja para vencer a gravidade terrestre e colocá-la no espaço depois. Além disso, a Enterprise nunca desceu abaixo da órbita de qualquer planeta, em filme nenhum, em episódio nenhum. Ela não tem aerodinâmica como a Voyager, nem tem trem de pouso. 

Para piorar, em "Além da Escuridão", a Enterprise não só desce à superfície de um planeta, mas vira um submarino! Mas ainda é possível descer mais: nesse ritmo, em um próximo filme, ao invés de Jornada nas Estrelas, teremos Viagem ao Centro da Terra. 

Curiosamente, apesar da Enterprise emergindo do oceano, essa cena foi, na minha opinião, a mais genuinamente "Star Trek" do filme todo: com os aborígenes passando a adorar o OVNI. O resto do filme é lotado de clichês, como se fosse uma paródia de Star Trek. Alguém, diretor e roteiristas, assistiram a alguns filmes ou episódios de Jornada nas Estrelas com uma prancheta na mão, anotando frases e cenas de efeito (como o Spock entrando na câmara radioativa do filme 2) para rechear este "Além da Escuridão" e tapear os velhos fãs. 


Khaaaaaaaaaan! Em uma nova linha temporal, é interpretado pelo inglês Benedict Cumberbatch, ao invés de um tradicional mexicano, como Ricardo Montalbán, que fez o vilão duas vezes antes.
Ao invés de fazer pensar, como se espera de Star Trek, "Além da Escuridão" é um excelente filme de ação. É de fácil digestão. Tirando as referências ao universo de Star Trek, qualquer Tom Cruise, Bruce Willis ou Matt Demon poderiam estar naquela correria toda. Todo mundo corre muito. Scotty tem de correr uma imensidão dentro de uma nave colossal, Kirk corre, Uhura corre, Chekov corre tanto que até perde o fôlego. E o espectador junto. Spock corre muito e salta sobre transportadores que sobrevoam San Francisco (a sede da Frota, nesse universo paralelo, ainda é lá? Bateu dúvida), luta, pula, ágil, parece um bonequinho de videogame. Deixa a impressão de que alguém o está controlando com um joystick.
Boneco do novo Spock (à venda na www.ussbrazil.com) cuja camisa pode ser levantada para exibir sua barriga de tanquinho. Spock saradão, marombado, reflexo dos novos tempos. O que é importante agora é isso. Se fosse o Spock velho, o boneco abriria a cabeça para mostrar que tem cérebro. Do jeito que a coisa vai, os próximos filmes de Star Trek serão tipo "reality show" em que os fãs de STAR WARS votarão em quem deve ser eliminado em torpedos fotônicos.

Outra coisa estranha é que, embora todo mundo esteja acostumado que Kirk seja galã e mulherengo, nada justifica aquela cena dele com duas fêmeas e seus rabos na cama, em um "menage a troi" implícito. Como eu vou explicar aquilo para meus filhos menores de idade? Com que cara eu vou ficar para assistir aquilo em companhia de meus octogenários pai e mãe? Eu sei que estamos vivendo em outros tempos, mas não gosto deles. Star Trek era programa para a família toda e não precisava dessa apelação. Star Trek não é isso. Star Trek era "do bem".

Esses "novos tempos" têm cometido maldades em nome da "popularização", como fazer uma Sherlock Holmes (por Robert Downey Jr.) que, ao invés de usar a cabeça para resolver as coisas, usa os punhos e as pernas. Fizeram um Abraham Lincoln que caça vampiros. Fizeram uma "Alice no País das Maravilhas" de dar medo. Um dia, ainda vão fazer um Mahatma Gandhi herói de ação, que pega uma metralhadora e resolve tudo atirando.


Eu tento entender que a intenção da Paramount é justamente despertar o interesse de quem nunca viu Star Trek, talvez até ganhar os corações de quem sempre preferiu Star Wars, por ser mais divertido, mais fácil de entender, menos intelectual. Afinal, nós, os velhos fãs estamos ficando velhos e rabugentos e é preciso renovar o plantel para ter para quem vender bugigangas, orelhas vulcanas, miniaturas, figuras de ação, sabres de luz, ops, confundi. Mas transformar Star Trek em outra coisa, deixar de ser o que sempre foi, parece um crime contra a memória do criador.

Majel Barrett-Roddenberry (falecida em 2008, um ano antes da estréia do primeiro filme do J.J. para a franquia) fez bem em cremá-lo e espalhar as cinzas do marido pelo espaço (uma parte das cinzas dele subiu ao espaço em abril de 1997, enquanto uma outra parte, junto com as cinzas da própria Majel, aguardam o mesmo destino em 2014). Tivesse o corpo de Gene Roddenberry, o Grande Pássaro da Galáxia, ficado na Terra, podia agora estar se revirando e se contorcendo. 

Nada contra os atores. Eles são ótimos. Muito bem escolhidos. Anton Yelchin como Chekov está um russo  mais fiel que Walter Koenig. Estou adorando a atuação de Simon Pegg como o engenheiro Montgomery Scott, já tinha notado isso no filme anterior. Karl Urban é bom em qualquer coisa que faça, seja Cupido ou César, em Xena, ou Dr. McCoy. Parece a reencarnação do DeForest Kelley. Está sendo um trabalho fantástico o desses três que, além de  interpretarem seus papéis, ainda estão fazendo uma caricatura dos atores que originalmente os interpretaram

Chris Pine (James T. Kirk), Zachary Quinto (Spock), Zoë Saldana (Niota Uhura) e John Cho (Hikaru Sulu) não estão tão empenhados em caricaturar os atores anteriores, mas refazendo os personagens, dando a sua nova versão. Spock não fala mais "fascinante" com a mesma frequência e a Uhura não fala mais "frequência de saudações aberta" a torto e à direito. Cho não tenta imitar o vozeirão de George Takei, o que seria impossível, e isso eu sinto falta ("Shields!", ficou imortalizado pelo capitão da Excelsior - que teria dado uma ótima série, pela qual eu assinei a petição - e pai do Hiro Nakamura).


E aqui seria a deixa para entrar a trilha sonora deste texto, na voz de Lulu Santos: "nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa..." É o fim.





2 comentários:

  1. Li a critica, gostei, mas devo discordar de alguns pontos. Estive em um curso de Ficção Científica aqui no rio administrado pela Prof. Rita Ribeiro, justamente onde avaliamos como a Ficção Científica foi evoluindo ao longo dos anos até os dias de hoje.

    Chegamos a conclusão que a Ficção Científica, apesar de retratar e
    se referenciar ao futuro, exprime os questionamentos humanos, culturais, e filosóficos do momento em que é produzida.
    Ou seja o novo filme Star Trek vem justamente ratificar isso, pois foi feito para os questionamentos de hoje, com um roupagem do futuro.

    Você tem razão quando diz que ST não voltará, ela foi importante para aquela época de nosso desenvolvimento, assim como a Nova Geração foi importante em sua época, e assim ao longo dos anos.

    Realmente nada do que foi será, porque o homem e nossa sociedade vai evoluindo, e é bom que não seja mesmo, quero aquele humano dos anos 60 fora deste século e vislumbro que meus filhos sejam um humano melhor que eu, se possível seguindo as virtudes e ideais do Universo Star Trek.

    Almirante MDaniel Landman
    Grupo USS Venture
    www.ussventure.eng.br

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  2. Eu, como fã "trekkie" da série original (num sou trekker porque sei até a data de aniversário de cada um do show), gostei muito do filme. Não podemos comparar com algo que foi feito a quase 50 anos atrás.

    A série antiga era mais "filosófica", onde se prendia em diálogos intermináveis (típico de uma série passada na década de 60) que para o público jovem de hoje é quase impossível de ver.

    Sem falar que estamos em outra etapa, em que gostamos de mais aventuras, mas detalhes. Lógico que o filme teria que ser diferente! Mas se você olhar fundo vai ver que ainda tem a essência da série: a amizade, o compromisso, a coragem.

    Kirk acordando da cama com duas mulheres na cama? Putz, a cara do William Shatner (quem viu ele em T.J. Hooker já imagina que isso num é nem coisa da série hahahahha). E já é pra ver que não é filme para crianças. A série clássica na época não era seriado para crianças, afinal no livro do William Shatner ele deixa claro que Gene Roddenberry colocava as mulheres quase nuas (hauhauhahauhauhau, a Andrea de "What the little girls are made of" estava num modelito de tirar suspiros) para chamar a atenção dos homens para a série e mostrar que era ficção científica para adultos e não crianças.

    Kirk sempre foi aventureiro. Em uma cena cortada do Generations ele estava fazendo sky dive (no livro feito em cima do roteiro fala melhor sobre essa cena) fora que ele, no filme 5 adorava escalar. Na Ira de Khan isso fica bem visivel, ninguém para de correr um minuto (só o Scott porque o James Doohan já não corria, rolava). E na série clássica, como o William Shatner adorava roubar a cena de todo mundo (visível nos outros livros de outros atores) ele que fazia a parte de correr, pular, rasgar a camisa para mostrar o peitoral definido (NOT). Por que não Spock agora? É outro universo, outra criação. A única coisa que não aguentei é a Winona Rider de mãe dele no primeiro filme. A Amanda é loirinha dos olhos azuis e foi interpretada pela belíssima Ms. Jane Wyatt, uma verdadeira dama e não uma cleptomaníaca.

    Parecido com Star Wars? Em quesito de ação sim afinal como dito pelo Capitão Kirk no filme III "mentes jovens idéias novas", mas do resto? Graças a Deus não, a não ser que Jar Jar Binks apareça e vire o namorado do Chekov e acabe roubando a peruca que ele usava na série clássica para ficar parecido com o The Monkees.

    Sobre a construção da nave em terra, concordo, afinal acho que precisaria de toda a técnologia do século XXIV para levantar aquilo, "gzuis". Mas se a nave aguenta diversos tipos de atmosfera e até certo tipo de pressão, porque não um oceano?

    Mas gostei de ver seu texto, e sinceramente? Como fã inveterada do William Shatner (na adolescência enquanto outras meninas gostavam de bandinhas ou atores globais eu era fanática nele) prefiro ele como um Capitão Kirk. O Zachary Quinto, sigo o que o Sheldon fala: "Toda vez que eu tou errado você joga o Zachary Quinto na minha cara". Ele é simplesmente o Leonard Nimoy novo. Não é a toa que os dois são extremamente amigos agora (bastar seguir o twitter dos dois e vê eles combinando um almoço, ou alguma outra coisa).

    Um abração.

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