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sábado, 30 de março de 2013

Inglish do Brazil

Paralelamente com todas as minhas outras atividades, faz algum tempo que dou aulas particulares da língua inglesa. Esse "algum tempo" são só uns 20 anos. A filha da minha contadora (que se tornou grande amiga) insistiu em ser a cobaia e depois me indicou para seu dentista, que trouxe um amigo, que me indicou para a mulher, que trouxe a amiga, que me indicou para o marido e eu nunca mais parei. Hoje, tenho alunos há mais de três anos, que vêm ao meu escritório semanalmente e outros, vizinhos, que começaram na semana passada. 

Mas antes disso tudo, eu dei aulas para turmas de cursinhos preparatórios para concursos ou grupos em escolas de línguas entre 1980 e 1988. Mais anteriormente ainda, as primeiras palavras da língua inglesa me foram ensinadas, desde que aprendi a falar, pela minha mãe professora e pela vizinha filha de americanos, e depois morei e estudei na Califórnia (onde voltei uma dúzia de vezes, por períodos variando de 5 a 30 dias).

Feita essa introdução, numa tentativa de me credenciar com meio século de experiência, reúno aqui algumas observações dessa minha vivência. Eu ainda não tinha escrito sobre isso neste meu blog. O assunto não se esgota aqui. Tem muito mais de onde isso veio para outras edições, quem sabe um dia.

Existe uma piada corrente que os controladores de voo das torres dos aeroportos de Nova York ou Miami, ao verem a aproximação de um avião de uma empresa aérea brasileira, diriam "there comes a 'say-it-again' airline", ou seja, "lá vem uma companhia 'diga-outra-vez'", exemplificando a dificuldade de comunicação entre eles e nossos pilotos, desde os tempos da Vasp e Varig, até hoje, tempos de TAM apenas.

Anteontem eu fui a um show de humor no Comedians, ali na rua Augusta, e, logo no início, um dos humoristas satiriza um comissário de bordo dando recados em "inglês" para nós passageiros, despertando o riso solto da platéia. Quem realmente sabe inglês, nas horas em que os comissário de bordo brasileiros dão seus recados, quase sempre faz cara de paisagem e procura alguma coisa na mente para desviar a atenção.

Um dos problemas, além da pronúncia, é que o brasileiro acha que fala inglês (como o ícone Joel Santana). Nós incorporamos muitos termos que agora nos pertencem e fazemos o que bem entendermos deles, entre eles o rótidogui, o milkisheiki, o x-burger, a féstifudi e o verbo deletar (eu deleto, tu deletas, nós deletamos, vós detetais, eles deletam), em substituição ao retrô "apagar". 

Recentemente, eu discuti com uma aluna da universidade Estácio, onde dei aula de Língua Portuguesa, que o verbo "checar" não existe. Eu disse que (eu checo, tu checas, ele checa, nós checamos, vós checais, eles checam) não era português, mas uma abrasileiração do verbo "to check" do inglês, cujo significamo, aí sim, seria "verificar" ou "conferir". Ela discordou de mim. A aluna ficou surpresa com minha afirmação e contra-argumentou que no emprego dela, era muito comum o chefe a chamar para pré-checar as coisas. Então eu disse que o professor e os colegas de aula não precisavam ser envolvidos nas atividades dela com o chefe. Se ela quisesse prechecar com ele, era problema dela, que prechecasse à vontade. Na minha opinião, se meu chefe manifestasse interesse em dar uma prechecada comigo, eu tentaria ponderar com ele se não seria melhor fazermos uma "verificação prévia" ou uma "conferência à priori".
Detalhe da minha estante (Clinton e Bush).

Quando um novo aluno "se matricula" comigo, a minha primeira providência é, quase sempre, tentar tirar dele anos de vício de "inglês brasileiro", para depois desenvolver o English. Aí vão alguns exemplos da minha luta ininterrupta.


PALAVRA E SIGNIFICADO
INGLÊS BRASILEIRO
INGLÊS DA CALIFÓRNIA
COUNTRY - país, campo, interior, caipira, sertanejo
"cauntri"
"cântri"
APPLE - maça, marca de equipamento de tecnologia
"êipol!
"épol"
CLOSET - armário embutido
"clôuzeti" 
"clósset" 
IRON - ferro, passar a ferro
"airon"
"aiêrn"
WORLD - mundo
"uordi"
"uôr+old"
GIRL - menina
"guél"
"guir+ol"
DESSERT - sobremesa
"dessérti"
"dizêrt"
RESORT - recurso, refúgio
"ressorti'
"rizort
FIRE - fogo, atirar
"faire"
"faiêr" 
EMPIRE - império
"empaire"
"empaiêr"
PRINTABLE - imprimível
"printêibol"
"príntabol"
PRIVATE - privado, particular
"priveiti"
"praivit"
PROGRESS - progresso
"prôugres"
"prógres"
HOUSE - casa
"rausi"
"ráus"
LAPTOP - computador portátil
"nouti"
"laptop"
SNEAKERS - sapatos esportivos
"tenis"
"sniquers"
MALL - centro de compras
"shópin"
"mól"
TUXEDO - traje social
"smôquin"
"tucs"
NET - rede
"nétchi"
"nét"

Além desse vocabulário exclusivo do inglês falado no Brasil, uma característica que dificulta a comunicação com o resto do mundo, é que o brasileiro não diferencia, por exemplo, as letras "R" e "H", "E" e "I" e "F" e "TH". 

Vamos ver na prática para ficar mais fácil entender o que eu quero dizer: rat (rato) e hat (chapéu), têm a mesma pronúncia no inglês brasileiro. O mesmo ocorre com roof (telhado) e hoof (casco), rum (a bebida rum) e hum (zumbir, zumbido), rim (beira, borda) e him (ele, lhe), root (raiz) e hoot (pio, apito). Todas têm o mesmo som de "o rato roeu a roupa do rei de Roma".

O inglês do resto do mundo não é assim. Apenas o "H" tem o som do "rei de Roma" (com algumas exceções, caso de hour ("our") e honest ("onest"), em que o "H" não tem som algum). Já para o "R", é como o José Dirceu dizendo poRta, poRco ou jantaR. Em uma das minhas viagens à Califórnia, uma amiga brasileira que me acompanhava, disse a um balconista de uma loja o que ela imaginava ser "eu gostaria de um tapete". O lojista, muito solícito, saltou de trás do balcão e lascou-lhe um grande abraço. É que "rug" é tapete e "hug" é abraço.

Da mesma forma, é quase impossível, no inglês brasileiro, ver diferença entre shit (merda) e sheet (folha de papel, lençol), chip (lasca) e cheap (barato), ship (nave, navio) e sheep (ovelha), bitch (cadela) e beach (praia). Ou entre thought (pensou) e fought (lutou), thin (magro) e fin (barbatana), thigh (coxa) e sigh (suspiro).

O contato dos brasileiros com estrangeiros é cada vez mais frequente, tanto viajando ao exterior quanto recebendo turistas e negociantes. No ano que vem, na Copa, será maior ainda. Os gringos não vão ficar só no litoral, vão chegar até Cuiabá, uma das cidades onde os jogos acontecerão. Oportunidades não faltarão para os brasileiros assombrarem o mundo com a sua versão do inglês.
Detalhe da minha estante (Spock e Obama).