Pesquisar este blog

sábado, 18 de maio de 2013

Politicamente inCARreto

Eu confesso, não sou perfeito. Eu nunca tive preconceito contra pretos, pobres, putas, gays, lésbicas, travestis, simpatizantes, nordestinos, judeus, argentinos, gordos, vesgos, não conto mais piadas de português, de papagaio, de formiguinha com elefante, de loiras, de caipiras, de cornos, de japonês, de turco, de baiano, de carioca, de gaúcho, de mineirinho, mas eu luto diariamente para me tornar uma pessoa ainda melhor, tentando me disciplinar a não ter asco de gente burra ou fumante (tanto faz) ou mal-humorada (aí, incluídos os franceses). 

O que eu estou mesmo longe de conseguir é vencer um certo preconceito, digamos, automobilístico, nas ruas da cidade de São Paulo. E bota longe nisso, pois, a cada dia que passa, só aumenta. Meus alunos na faculdade já decoraram a música que eu chego cantarolando todo dia, "Owner of a Lonely Heart", do YES, especialmente o verso "move yourself!", que é como eu escoo a minha irritação com os carros que atrapalham meu caminho no trânsito, é minha trilha sonora, meu mantra.

No início, faz alguns anos, eu só comentei com minha esposa: curiosamente são sempre os mesmos modelos de carros que empacam na frente da gente, parecem perdidos, não sabem para que lado viram, se primeiro dão seta e depois fazem besteira ou fazem besteira e nem avisam. O sinal fica verde e eles não saem do lugar, e, se saem, parecem se arrastar pela rua, atrapalhando e embaçando. 

Com o tempo, ela foi comprovando minha teoria e passou a concordar comigo, dando muita risada cada vez que acontecia. Outro dia, ela mesma tomou a iniciativa, chamando a atenção para um desses carros que ia na nossa frente em Higienópolis e acendia a luz traseira do freio em todos os cruzamentos cujos sinais estavam todos verdes! O jeito foi rir.

Por alguma razão que eu ainda não decifrei, apenas suspeito, quase a totalidade desses carros tranca-rua, segundo minha observação e experiência, são sedãs. Uns são discretas lanchas do asfalto, outros são barcas sem noção e alguns são transatlânticos mastodônticos com dificuldade imensa para estacionar ou executar qualquer manobra que não seja a posição "parado". O campeão é o Corolla, que é hoje o que o Monza foi no começo dos anos 90, e antes dele, o Opala, e antes dele, o Galaxy, e antes dele, o AeroWillys. É uma pena que não esteja disponível na cor vinho ou bordô. Os aposentados devem sentir falta. 

É evidente que o problema não é dos veículos, todos eles lotados de tecnologia literalmente embarcada de última geração, apesar do formato demode. O enguiço é da pecinha sentada atrás do volante, perdido, distraído, sossegado, com a vida mansa, com tempo ocioso sobrando, falando ao celular ou, se for um motorista levando o patrão ou a madame no banco de trás, pisando leve para evitar solavancos nos piso irregular das ruas de São Paulo que pudessem derramar os cherry brandys e martinis.

Mais recentemente, devido à grande parcela do meu tempo que contemplo a traseira desses modelos de carros, passei a brincar com os nomes ali estampados enquanto espero a desobstrução da via pública, displicentemente, e ampliei consideravelmente a minha tese: foi então que me dei conta que os nomes procedem! 

Os nomes escolhidos pela montadoras para esses modelos, provavelmente, funcionam, psicologicamente, como um chamariz a mais, irresistível, para as pecinhas que os adotam. A explicação estava o tempo todo diante do meu nariz e só caiu a minha ficha agora.

Veja:
Por que tu PALLAS na minha frente e não anda?
Ai, que sono, lerdeza! 
InJETTA, bebe com água, toma como quiser, mas saia da minha frente!
Por mais que eu reze para que você não CRUZE o meu caminho, lá vai o tranca!
Você é lento, eu sei, mas faz um esforço, vai!
Anda LOGo! Desembaça!
Vai demorar muito pra você decidir pra que lado vira, se pára ou se anda? Não MEnGANE!
Vai, moleza! Tá dormindo? Accordeee!
Mais um campeão de lerdeza na minha frente. Corolla quer dizer "coroa". Certíssimo: só tem coroa no volante! E, muitas vezes, carola também.
Você espera porque tem tempo sobrando, mas eu ESPERO que você libere minha passagem rápido!
Vai estacionar? Vai ficar parado no meio da rua? Vai virar à esquerda ou à direita? Quando tempo vai levar essa conFUSION?
Quem será EL ANTA que está no volante desse empata a vida?
Lá vai o tiozão! Muita calma nessa hora, SENTrA e espera ele tomar um rumo.
BORA, cara, se mexe, sai da frente!
Agora, se a placa de qualquer um deles for de Curitiba, não sei por que, o problema aumenta. Era de Curitiba aquele caso que minha esposa testemunhou, que pisava no freio em todos os sinais verdes. De início ela também duvidava desta minha implicância, depois foi dando a mão à palmatória e, agora, ela mesma, aponta a placa.

Outro fator agravante é se o motorista for japonês, com aquela tranquilidade toda. Se for japonesa, piorou. Se usar chapéu ao volante, cuidado, barbeiragem à vista. Se na minha frente tiver um Corolla com placa de Curitiba guiado por uma japonesa de chapéu, eu... dou meia-volta e vou pra casa. É sinal de mau agouro. O dia não vai ser bom. Não há calmante que dê jeito. Hoje não dá.