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terça-feira, 31 de julho de 2012

A PREFEITURA, o reality show

A essa altura do campeonato, o último doido que abriu fogo contra uma multidão já é notícia velha e, sendo nos EUA, mais velha ainda. Lá, esse tipinho é produzido em escala, agora mesmo, deve haver outros planejando seus momentos de glória para o noticiário. A gente nem deveria se espantar mais. Virou mesmície.

Antes desse caso, o anterior, sim, causou espanto, pois foi na Noruega, que, desde que os Vikings aposentaram os machados, é uma terra de gente muito ordeira e da paz, tanto é que entregam, anualmente, o Prêmio Nobel, em cerimônia solene em sua capital, Oslo.

Aqui no Brasil, como prova de que temos talento para o andar de cima, o clube dos países desenvolvidos, tivemos dois casos espetaculares. Um deles, muito parecido com o matador do filme do Batman no Colorado, abriu fogo com uma metralhadora contra a platéia de um cinema no Shopping Morumbi, em São Paulo, durante a exibição de um filme também violento, " O Clube da Luta".  E as semelhanças não param por aí: aqui, era um estudante de Medicina, lá, um doutorando em Neurologia. 

Vários recados podem ser entendidos dessas características recorrentes: filmes violentos tornam as pessoas violentas, estudantes de Medicina podem enlouquecer, estudantes de Medicina andam armados, estudantes de Medicina têm dinheiro para comprar armamento pesado, é fácil entrar armado no cinema, os estudantes de Medicina não conseguem conter a ansiedade e esperar para dispor da vida humana só depois de formados, e por aí vai, a imaginação não tem limites e, comprovadamente, a imbecilidade humana também não.

O outro caso de serial killer brasileiro aconteceu em uma escola do Rio de Janeiro, onde um estudante (olha ele aí de novo) entrou atirando e matando.  Vão ter de colocar detetores de metal e cães farejadores de pólvora na porta das escolas e salas de cinema, por enquanto: quero ver na Copa. Até 2014, do jeito que a coisa vai, os 22 jogadores em campo vão acertar a bola a tiro. Em São Paulo, virou faroeste.
Se nos EUA é permitido comprar armamento e munição pelo correio, como se fosse um DVD do Andre Rieu (as quatro armas e as 2 mil balas do assassino de Aurora, Colorado, foram entregues na casa dele, pelo carteiro), em São Paulo a polícia mata mais que em todos os Estados Unidos da América. Nos últimos cinco anos, a PM do Estado de São Paulo (que tem uma população de 41 milhões) atingiu o índice de 5,51 mortes por 100 mil habitantes, enquanto nos EUA (que tem 313 milhões) a taxa é de 0,63. Ou a polícia de São Paulo atira primeiro e pergunta depois, ou os gatilhos das armas paulistas são muito mais sensíveis ou as balas são mais em conta aqui.

Eu tenho medo da polícia. Também tenho medo dos estudantes de Medicina, dos médicos, dos Vikings, dos vencedores do prêmio Nobel, do Andre Rieu e dos fãs do Batman, que eu mesmo já fui, mas parei. 

No filme anterior, o "Cavaleiro das Trevas", eu fiquei inquieto na cadeira do cinema, me sentindo desconfortável, querendo que acabasse logo, com vontade de sair no meio do filme. Eu botei apelido naquilo de "Tropas de Elite em Gotham City" (e eu não assisti "Tropas de Elite", nem 1, nem 2, nem as centenas que acontecem nas ruas, todo dia, nem o noticiário policial da TV). Não curto isso.

Para quem eu falei isso, batmaníacos, queriam me trucidar (comprovando que a exposição a altas doses de violência gera sentimentos hostis), argumentando que, na opinião de todo mundo, foi o melhor filme do super-heroi. Tô fora. Tenho um adesivo do morcego atrás do meu carro, mas, aparentemente, aquele Batman (desenhado por Neal Adams) que eu gostava não existe mais. Vou ao cinema para relaxar, para me divertir, não para ver algo pior que a realidade e sair de lá mais estressado do que quando entrei, com o coração disparado.


Preciso ter cuidado com o estresse: entrei para o clube dos hipertensos. Uma noite dessas, depois de um dia inteiro de dor de cabeça e dor no ombro esquerdo, percebi que o lado esquerdo do queixo e dos lábios estavam adormecidos, formigando, como se tivesse levado uma anestesia do dentista Jacques Szuster (aliás, Jales Fuster). Minha mulher mediu minha pressão (20-10) e corremos para o hospital. Desde então, tomo um medicamento diariamente. Evoluí do Tarzan para o Mandrake, que é como apelidei os remédios. O primeiro, Lozartana, eu inverti as sílabas para LoTarzana e virou Tarzan. O novo, prescrito pelo cardiologista, é o Lotar, o parceiro do Mandrake.
Pois uma noite dessas, meu carro foi "fechado" por uma viatura da PM quando eu chegava à farmácia na Praça 14 Bis. De dentro, saltaram uns quatro ou cinco policiais fortemente armados, ostentando ostensivamente, armas de grosso calibre, balançando no ar, exibindo ululantemente. Levei um susto! Do meu ponto de vista, pareciam bazucas, pois o máximo que eu conheço de armas eram minhas pistolinhas de espoleta da infância. Eles chegaram para se confraternizar com seus colegas da "Base Comunitária Móvel" ali da praça, também armados até os dentes.  Eu tive de engatar ré, desviar da viatura para ter acesso às vagas de estacionamento na frente da farmácia, para onde pacificamente me dirigia sem ser percebido, mesmo sendo um cidadão de bem, pagante de impostos, cuja única arma é o meu humor, mal ou bom, dependendo do dia, que pode matar as pessoas de irritação ou de rir.


Faz um ano que moro no atual endereço. Antes, fui síndico (eleito e reeleito duas vezes) por quatro anos do condomínio onde que morei por quatro anos e cinco meses. Quando me mudei para lá, o motorista do táxi, quando eu disse o endereço, retrucou "ah, eu sei onde é, lá na rua do PCC!" Eu me espantei, "como é que é? Rua da facção criminosa Primeiro Comando da Capital?" "Isso mesmo", ele disse, "a sede deles é na esquina da rua tal com a rua tal". "E a polícia sabe disso?", perguntei. "Sabe, todo mundo sabe, todo taxista sabe", respondeu. 


Quando eu me tornei síndico, o porteiro noturno, que era velho de guerra e estava no cargo há mais de 15 anos, me explicou que os ladrões e arrombadores de carros da rua, antes de executarem os serviços, faziam um sinal para o nosso porteiro lá na guarita, perguntando se o veículo era do condomínio. Se o porteiro fazia um sinal de positivo, os ladrões desistiam e deixavam o carro em paz. O patrimônio do nosso condomínio estava sob a proteção dos nossos vizinhos, estávamos na área deles. Se o porteiro respondia com um sinal de mão que não conhecia o veículo, bye-bye carro. E em dezembro, todo ano, além da "caixinha" para os lixeiros e para os carteiros, este síndico deixava a verba com o zelador para ser entregue aos nossos protetores. E assim foi. Não mexi em time que já estava ganhando há muitos anos.

No meu novo endereço, eu tenho a comodidade de atravessar a rua e ir ao cinema do shopping, quase em frente, como fiz para assistir ao filme do Homem-Melissa ali em cima (notem o detalhe dos pezinhos dele). Foi divertido e desestressante. Esse shopping tem fama de ter apenas frequentadores tranquilos, sensíveis, rapazes alegres, que preferem o amor à guerra. 


Pois eis que, de repente, o meu cinema está ameaçado pelo maníaco dos shoppings, o prefeito nunKassab. Antes, a prefeitura já ameaçou de fechamento os shoppings Higienópolis, Center Norte, Pátio Paulista, Moóca e sei lá mais quantos. É uma onda. O arrastão da prefeitura, determinando o fechamento de centros de compras e lazer lotados de pessoas que dependem de seus empregos, que funcionam há mais de uma década (ou quase 3 décadas, no caso do Center Norte) por alegações diversas, de falta de alvará de funcionamento, dívida tributária, falta de vagas de estacionamento a problemas do subsolo. Coincidentemente, alguns desses shoppings são administrados pela mesma empresa cuja diretora denunciou um esquema de exigência de propina por um órgão da prefeitura (cujo responsável foi afastado) para a emissão de alvarás de imóveis.


Por outro lado, não são só os shoppings centers que estão alvo do maníaco: ali ao lado da Praça Roosevelt, ele vai por fim a uma feira de rua tradicional, que funciona desde 1938 aos domingos e atende à conveniência de moradores do entorno da Bela Vista, Consolação, Vila Buarque e República. Por que? Porque a feira vai "atrapalhar" as atividades e eventos culturais previstos para a nova Praça Roosevelt, única obra a ser inaugurada pelo nunKassab antes das eleições deste ano. 


Esperada há mais de uma década, finalmente a reforma da praça será concluída, mas por quase o dobro do preço previsto. O custo final deve chegar a R$ 66 milhões. Mesmo depois da inauguração, prevista para setembro, a prefeitura fará nova licitação de mais R$ 11 milhões, para instalação de equipamentos da garagem subterrânea, que não estavam previstos na reforma. O povo, que queria tanto a reforma da praça, vai perder a feira com a qual estava acostumado há 74 anos. Não se pode ter tudo.


E aí, cidadão, você escolhe a praça ou a feira? A escola ou o hospital? Esse negócio de escolha é um jeito quadrado de ver o mundo. O mundo não é só preto ou branco, tem os cinzas. Leonardo da Vinci era pintor, escultor, inventor, arquiteto, médico e alquimista, não precisou escolher só uma profissão e abdicar dos seus outros talentos. É possível o sujeito fazer um monte de coisas e fazer todas bem. Como também é possível ser advogado, jornalista, cartunista, lojista, professor, apresentador e antropólogo... e fazer tudo meia-boca. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, tem seis esposas, não precisou escolher uma só (por essa, eu arrisco apanhar em casa). Manteve todas as candidatas. Quando uma não está legal num dia, ele chama a próxima. Esse é o reality show particular dele.


Pode ser uma alternativa menos estanque para a escolha do prefeito da nossa cidade. Por que ter de escolher um? Quem quer ser prefeito? Serra, Russomano, Haddad, Soninha, Paulinho? Entrem todos. A gente só vota na ordem, os mais votados, entram primeiro. Todo mês, o prefeito vai para o paredão e os telespectadores e internautas decidem: fica ou sai? Se for decidido que sai, ele vai para o fim da fila e sobre o próximo. Assim a gente não fica preso a uma única pessoa durante quatro anos, com ela fazendo besteira atrás de besteira.

2 comentários:

  1. Infelizmente a tendência é piorar, as pessoas estão literalmente dando sangue pra aparecer... o jeito é torcer para nunca estar na mira dessas armas né... Mas foi bom você ter me alertado, a partir de agora estarei mais receosa com os estudantes (os de medicina principalmente) e fãs do Batmam rsrs...

    Adorei sua solução para política, um Reality Show assim seria perfeito... o favorito da temporada vira o líder e comanda, quando não estiver mais sendo eficaz é substituído por outro candidato melhor. Awesome!

    Obrigada pela agradável leitura... Meu eterno professor e nerd favorito.

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  2. Adorei o "awesome" e o "nerd favorito"! Que responsabilidade a minha. Que delícia. Obrigado.

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