Pesquisar este blog

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Olha! Uma loja do Spielberg!

Meu amigo Roger Nygard era menino na cidade de Minneapolis, estado de Minnesota, EUA, criado em uma família religiosa, episcopal, que lhe prometia panquecas aos domingos se, primeiro, fosse à igreja. Tempos depois, o pai dele, também chamado Roger Nygard, morreu e o filho ficou se perguntando, afinal, aonde o pai foi.


Recentemente, e depois de amealhar um razoável capital como diretor de cinema e séries de TV em Los Angeles (http://en.wikipedia.org/wiki/Roger_Nygard , http://www.rogernygard.com ), Roger se auto financiou e saiu pelo mundo procurando o pai, quer dizer, Deus, no documentário "The Nature of Existence" (http://thenatureofexistence.com , http://palavraguda.wordpress.com/2011/01/07/a-vida-segundo-roger-nygard/). Ele levou 4 anos para fazer o filme, quando tinha 43 a 47 anos.




No filme, Roger aponta a câmera para o vizinho e faz perguntas incômodas como "o que é a existência", "o que é Deus", "o que há depois da morte" e por aí vai. Insatisfeito, continuou perguntando pelos Estados Unidos afora, para índios, pregadores religiosos, lutadores de luta-livre, pilotos de corrida e muita gente esquisita, até sair do país.


Do outro lado do Atlântico, seguiu perguntando pela Inglaterra, para religiosos, cientistas e druidas celtas. Foi ao Vaticano, depois para Jerusalém, perguntou para árabes e rabinos. Deu um pulinho até a Índia, para entrevistar gurus e mais gente esquisita. Continuou na China, perguntando para comunistas e seguidores de Confúcio. Então, volta para sua casa em Los Angeles (atenção, não leia se não quiser estragar a surpresa) para, no fim, se fartar em comer panquecas.


O filme foi exibido em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema, em 2009, uma das três ocasiões em que estive com o Roger, das quatro em que ele veio à cidade. Na quarta, ele apenas me mandou uma mensagem de texto enigmática para o meu celular (com o chip local que eu o ajudei a adquirir na vinda anterior): "olha, uma loja do Spielberg!" Ele fez uma visita relâmpago a SP para um compromisso profissional e só me deu esse "oi" já do aeroporto, de volta para LA.


Diretor Roger Nygard, produtor Michael Leahy (ao fundo), sonoplasta temporário Louis Robin (contratado aqui, pois o titular, Bill Martel, teve problemas com o passaporte e não conseguiu entrar no Brasil), produtora-executiva e atriz-entrevistadora Denise Crosby e eu, Ralfo Furtado, em junho de 2003, no Campo de Marte, em SP, alugando um helicóptero para uma filmagem aérea da cidade do documentário anterior ("Trekkies 2": http://www.trekkies2.com) do diretor, que foi quando o conheci. 


A frase virou uma espécie de senha entre nós (que agora, precisamos mudar, depois de revelada ao mundo). Em 2009, andando pela mesma esquina das outras duas vezes, a caminho de uma casa de câmbio, Roger pronunciou a mesmíssima frase, pela terceira vez, ao ver a fachada de uma loja de roupas masculinas chamada Spielberg e completou "vou contar pra ele". Eu disse "você sabia que, sempre que passa nesta esquina, fala a mesma coisa?" Ele disse: "sério?". Ele não sabia que estava sendo repetitivo. 


Eu acabo de reassistir ao filme, agora em DVD, que adquiri recentemente diretamente do próprio Roger, depois de me certificar de ser a versão com legendas em português, com a intenção de exibir para os amigos e familiares em breve. É possível adquirir o DVD na Amazon, mas não com legendas em português.


O DVD tem dois discos. Eu ainda não tive tempo de assistir o segundo, com a tonelada de cenas que tiveram que ser cortadas do documentário e o "making of". A experiência do Roger foi riquíssima. Imagine, dar a volta ao mundo com uma câmera na mão, tentando resolver suas inquietações de infância! Sob esse ponto de vista e qualquer outro, o filme é interessantíssimo, impossível de não despertar muitas reflexões, seja você religioso ou ateu. No meu caso, ando um pouco em cima do muro na questão, tanto é que discuti com o Roger o meu ponto de vista (http://www.ussbrazil.com/cosmica), que eu já tinha antes mesmo de ter assistido ao filme: eu acredito em Deus, de um jeito muito particular meu e só.


No caso do Roger, a conclusão a que chegou depois da experiência toda, conforme declarou no meu programa (http://www.vimeo.com/7374645) é que ele se identifica mais com as pessoas que afirmam que ainda estão procurando, que não sabem, do que com as que alegam que já encontraram, que já sabem tudo.


Duas frustrações de Roger foram não conseguir ser recebido nem por Stephen Hawking nem pelo Papa para responderem às suas perguntas inconvenientes do documentário. No caso do segundo, na verdade, o cachê imposto pelos assessores de Sua Santidade estouraria o orçamento do filme. O primeiro, estava muito ocupado com uma breve história do tempo, o big bang e buracos negros.


No final de 2007, Roger me ofereceu um quarto na casa dele, em Los Angeles, para eu passar minha lua-de-mel. Agradeci a incrível gentileza, mas tal qual Hawking e o Papa, declinei de compartilhar minhas intimidades com o cineasta.


Minha então namorada, Isabela, e  eu, agachado e com cara de espanto. Lá no fundo Roger Rabbit, digo, Nygard, rodeado pela mulheres, em 2005, durante a temporada da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O primeiro filme do Roger foi um curta de animação quando ele tinha 7 anos de idade e descobriu a filmadora super 8 do pai em casa. Depois disso, fez outros tantos, tendo os irmãos e amigos como atores. Ele mesmo declara em sua página na internet que "a maioria daquelas primeiras histórias envolviam algum tipo de perseguição, já que é a história mais fácil de contar em um filme mudo". 


Embora não seja mudo, fica evidente que "The Nature of Existence" é o filme que ele faltou fazer na infância, uma perseguição planetária atrás de respostas para suas dúvidas de menino. 


Também em sua página na internet, Roger conta que, já na faculdade (Bacharel em Artes em Comunicação Falada, pela University of Minnesota) a característica de seus filmes era ser tão ridículos quanto possível


Além de "The Nature of Existence", em seus documentários anteriores, "Trekkies" (sobre os fãs de "Jornada nas Estrelas" nos EUA), "Trekkies 2" (sobre os fãs de "Jornada nas Estrelas" no mundo todo) e "Six Days in Roswell" (sobre a febre dos que acreditam em ETs e discos-voadores), fica claro que Roger mantém o mesmo espírito da faculdade. Ele não é nenhum documentarista denuncista como Michael Moore. Em tudo que faz, por mais sério que pareça à primeira impressão, Nygard deixa sua marca registrada do deboche e do sarcasmo. É possível que ele já escolha os temas de propósito.


O estilo irônico também alinhava os episódios das séries que dirigiu (como "The Office" e "The Mind of the Married Man") e seus filmes (um deles, inclusive, "Suckers", ambientado no dia-a-dia de uma agência de venda de automóveis, virou "cult" e é usado em treinamento de vendedores de carros dos Estados Unidos) e lembra um "je ne se quoi" de Robert Altman ("MASH", "Short Cuts", "Nashville"...). Combinaria com a programação do canal a cabo FX, por exemplo..


Nygard e sua fixação com Sérgios (haha): com Serginho Groisman à esquerda e com Serginho Café à direita.
Sarcasmo à parte ou incluído (tem gosto pra tudo), sua obra mais recente, "The Nature of Existence" contém pérolas impagáveis como: “Não duvido de Deus. Duvido dos Seus representantes. Até hoje, Deus não falou comigo. Somente o homem falou comigo, e, como sabemos, ele geralmente engana, mente e é motivado por outras coisas, além do desejo de transmitir a verdade” ou "“A religião é para quem acredita que irá para o inferno. A espiritualidade é para quem já esteve lá” ou ainda “Você faz o bem porque sente prazer ao fazê-lo ou você está com medo de que se não o fizer, será punido. De qualquer forma, é servir a si mesmo”.


Não tem como assistir ao documentário e ficar impassível, não repensar a vida, não rever os valores, não refletir. Nem que seja apenas para discordar de tudo, até das panquecas que o Roger esperou mais de 40 anos para comer, para considerar sua busca concluída, o dever cumprido. Finalmente, cresceu!


Eu avisei o Roger que iria escrever sobre ele faz umas três semanas. Tive a ideia ao discutir com meu amigo e seguidor Adel sobre a minha citação de Deus na postagem anterior, de 3 de julho. Só agora tive um tempinho pra escrever (e também, a ideia amadureceu - quando brota a inspiração pra escrever ou desenhar, preciso de um tempo pra processar antes de botar no "papel". E, quando o assunto é um amigo, a responsabilidade e o cuidado é dobrado). 

Roger me advertiu que usaria o Google pra traduzir e, por isso, eu deveria tomar cuidado com o que escrevesse! Oops!

Ontem, perto da meia-noite, mandei tudo pra ele ler, até a ilustração do coelho. Hoje, às 7h da manhã, já tinha uma resposta, escrita há 7 horas atrás. Roger Rabbit é rapidinho. Ele já traduziu, leu, entendeu, diz que adorou, mas discordou do uso das palavras sarcasmo e deboche para definir o estilo dele, achando-as muito fortes. Ele diz admitir que procura o humor na humanidade em todos os seus projetos, mas com carinho pelos entrevistados. 

Portanto, o que escrevi abaixo da ilustração do coelho foi no dia seguinte. 

Vamos esperar agora a reação dos leitores. Quem sabe, outras pessoas se interessem em adquirir o filme (no site http://thenatureofexistence.com/ pode-se enfatizar diretamente ao Roger a necessidade das legendas em português, ou outra língua, se for o caso - acabo de ver nas estatísticas que meu blog está sendo lido na Alemanha e no Japão, por exemplo) e desempatem a questão do sarcasmo e do deboche.

Nenhum comentário:

Postar um comentário